VIVÊNCIAS DA INCLUSÃO NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Relatos e depoimentos de Pais

Rafael atualmente está com um ano e dez meses, e frequenta a creche desde os seis meses de idade. Desde o início, na creche, Rafael foi recebido com muito carinho. Nessa mesma creche já houve casos de crianças também com síndrome de Down e com paralisia cerebral. Lá ele recebe muitos estímulos por meio de brincadeiras, brinquedos, músicas, com a interação com crianças da mesma idade. Percebi que tudo isso foi muito importante para seu desenvolvimento, pois ele até aprendeu os gestos das músicas. Rafael recebe atendimento de fisioterapia, terapia ocupacional e fonoaudiologia no CEES - Centro de Estudos da Ciência e da Saúde - UNESP, Marília, desde um mês de idade. Quando ele começou a frequentar a creche esses profissionais mantiveram contato com os profissionais da creche visando melhor adaptação e evolução de Rafael. Nos contatos que mantenho com os profissionais da creche, eles relatam que não percebem diferenciação no Rafael em relação às outras crianças. Percebo que eles o tratam como as demais crianças. Acho importante que todas as crianças especiais tenham oportunidade de frequentar a educação comum desde a educação infantil para que as pessoas percebam que, embora tenham uma dificuldade, são capazes de muitas coisas. É importante a inclusão não só escolar, mas social também.” (Mãe de um bebê com síndrome de Down incluído em creche de rede púbica, desde os seis meses de idade, Marília, SP.)
           
O que a gente mais quer pro filho é que ele seja feliz, no sentido amplo da palavra. Feliz, consciente, participativo. É então que eu imagino para ela, que ela seja mais independente possível. Eu gostaria que ela pudesse como tem hoje... que ela mantivesse a auto-estima dela, que ela tivesse um lugar na sociedade, um trabalho, alguma atividade... Eu vou lutar por isso sempre, para que ela seja uma pessoa completa. Ela sempre estudou em escola regular, isto foi uma opção minha, uma opção consciente. Quando ela era bem pequenininha eu até cogitei em colocá-la numa escola especial quando fosse a época...quando não desse mais...Eu então procurei uma pré-escola regular, no sentido de conviver com os colegas para que tivesse acesso ao vocabulário, ao convívio social mais próximo do normal possível. Até os cinco anos ela ficou numa escola, e aí mudou, porque aos seis eu comecei a me preocupar com a parte da alfabetização, da parte pedagógica mesmo. Aí começou uma grande batalha, no sentido de que a escola não seja apenas um lugar de socialização, mas que a escola tenha a preocupação com e a responsabilidade da formação pedagógica, da alfabetização, dos conteúdos. A minha filha e o movimento da inclusão foram um oceano que me fez crescer, deram uma outra dimensão para minha vida. Não é no sentido de ampliar em outras áreas, conhecer pessoas. É.. desde assim... esse movimento nacional até...esse movimento histórico. Poder participar disso, conhecer outras experiências de vida, até dificuldades, problemas... isso me colocou mais como pessoa, como cidadã...muito rico...eu não trocaria por nada... eu não queria voltar atrás.” (Mãe de uma criança com múltipla deficiência: visual e síndrome de Down que participa de um projeto de inclusão em pré-escola, no Rio de Janeiro, 1998)

Eu não vejo meu filho estudando numa escola que só tenha cegos, eu não...não consigo ver isso e talvez eu jamais aceitaria.... Uma escola de crianças normais com crianças deficientes...eu vejo que isso só tem trazido vantagens para o desenvolvimento dele...eu só vejo pontos positivos nessa integração.”(Mãe de uma criança cega incluída em uma pré escola municipal em Campo Grande, MS).

Depoimento de Dirigentes

“Vivemos em um pequeno Município, que tem apenas uma escola municipal e não conta com escola especializada para o atendimento de alunos com deficiências. Preocupado com essa questão, o Prefeito Municipal solicitou-nos realizar estudos para a implantação de uma escola especial em nossa cidade. Consultamos, então, uma especialista nesse assunto, que nos propôs discutir com a escola a LDB/96 a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e os Parâmetros Curriculares, tendo em vista a elaboração de um projeto político pedagógico que contemplasse a inclusão de crianças com necessidades educacionais especiais no ensino regular. A idéia nos pareceu excelente, pois a escola convivia com índices elevados de fracasso escolar nas séries iniciais e não havíamos ainda detectado as possíveis causas. Assim, realizamos
vários seminários de estudos sobre as novas diretrizes, parâmetros, prática pedagógica, formas de avaliação e elaboração de um projeto pedagógico coletivo, construído pelos professores, alunos, pais e comunidade. Já nos estudos iniciais, a escola decidiu convidar a única professora especializada em educação especial que estava chegando à cidade para assumir a classe de alfabetização, e cooperar com a professora da pré-escola, cujas classes receberiam as crianças com necessidades educacionais especiais, que nunca haviam tido a oportunidade de frequentar uma escola. São crianças com deficiência mental, auditiva e motora. O resultado foi surpreendente, pois as crianças com necessidades educacionais especiais progrediram em atitudes, limites, socialização, tiveram significativo progresso no processo de construção do conhecimento e, além disso, o êxito na alfabetização de todos os alunos foi evidente. No ano seguinte, concluímos o projeto político pedagógico, que possibilitou inúmeras mudanças na escola como: implantação da pedagogia de projetos, criação de biblioteca e espaços culturais, valorização da cultura local, com a participação dos pais e comunidade na escola, formação continuada e grupo de estudos para os professores tendo em vista a implantação do sistema de ciclos; curso de alfabetização para pais e seu envolvimento nas decisões da escola. A partir dessa experiência, a comunidade ajudou a formular a política municipal de educação.” (Profa. Evanilda Alves Leite, Secretaria Municipal de Educação e Profa. Jacyra Pallermo, Diretora da Escola Municipal João José Leite da Silva, Caracol, MS, 2001)

Relatos e depoimentos de professores na educação infantil

“Ter um aluno deficiente na minha classe...olha...para mim, sempre significa mais possibilidades e mais portas em termos de conhecimento, em termos de buscar o que fazer com essas crianças, o que fazer com esse grupo e o que fazer comigo diante disso tudo. Para mim é sempre muito rico. Já trabalhei com diversos tipos de dificuldades e para mim significa exatamente isso: mais estímulo para pesquisa, mais estímulo para procura, para ler; estudar é um impulso para mim, uma coisa de que eu gosto...”

Do pedagógico: Eu acho que ao trabalhar com a inclusão, o padrão normal, o planejamento estático fica quebrado... a coisa fica mais na rotina do dia-a-dia, nas reações e diferenças... as diferenças é que vão enriquecer exatamente esse trabalho. Eu acho que cada criança é um trabalho diferente, como cada criança é diferente também. Ninguém tem um trabalho igual o tempo inteiro, está todo mundo dentro do seu estágio, do seu momento. Tem alguma adaptação curricular da mesma forma que também tem para outras crianças, quando você trabalha acreditando nessa educação diferenciada, que não precisa ser feita só com as crianças ditas especiais. Para as ditas normais também você caba fazendo um planejamento quase individual para cada criança na sala... você faz um planejamento, por exemplo, hoje, as horas, e dentro desse planejamento você vai criar milhões de ramificações para que as diferentes crianças, com diferentes capacidades, todas usufruam do planejamento do relógio, e aí a coisa vai se ramificando...então o que vou fazer com M, com I, com fulano e fulana, então a diferenciação vem desse planejamento especial. Aí você para e pensa naquela criança, naquele momento...”. (Professora de uma pré-escola do Rio de Janeiro, em um projeto de inclusão de uma aluna com síndrome de Down (apud BRUNO, 1999).

“A inclusão... eu acredito que a inclusão é possível. No começo eu senti muito medo... mas a partir do momento que eu recebi apoio e orientação tudo foi mais fácil. Eu trabalho com ele igual à classe, da mesma forma, os mesmos assuntos. Ele conta histórias, pinta, desenha em relevo, só que com os recursos dele... O trabalho é perfeitamente integrado...aliás, virado para os coleguinhas...isso é muito importante. Eu nunca o coloquei de frente para o quadro-negro, mas de frente para os colegas. Ele recebia todas as emoções dos colegas...se integrou perfeitamente na sala de aula... O trabalho no começo era em dupla, até eles se acostumarem a trabalhar de dois a dois, depois trabalham em grupo de quatro. No início, eu não sabia como alfabetizar uma criança cega. Fui orientada pela professora especializada a usar letras e números tridimensionais, em braile e em relevo...um material novo para mim. Eram letras, cartelas, cubinhos, ábaco, sorobã (instrumento de cálculo para cegos), os jogos pedagógicos da classe, jogos de memória, baralho, loto, jogos de percursos foram adaptados e usados por todas as crianças da sala. Eles usavam o mesmo material, gostavam de fechar os olhos e passar as mãos, enfim aproveitavam o material... Isso dava muito trabalho, mas tive a cooperação da mãe, da coordenadora pedagógica e até a diretora. Algumas vezes, ajudava... No começo, eles (os colegas) não acreditavam que ele ia conseguir aprender a ler e escrever, e isso foi um estímulo muito grande, e eles mesmos discutiam...puxa prá gente que enxerga isso tem que ser mais fácil não é professora, e eu dizia com certeza...enquanto ele tem de ler com a pontinha dos dedos letra por letra, vocês só batem o olho tanto no quadro como no livro de história, e já estão se inteirando da história. Ele precisa de um certo tempo. No início, eu falava e ele ia construindo ou copiando as palavras, mas aí eu percebi que tinha que aprender o braile. Como eu ia acompanhar as dúvidas dele e corrigir na hora? Aí eu fui ao CAP, Centro de Apoio Pedagógico, e aprendi o braile e o sorobã, para não ter que esperar uma semana ou mais para saber o que ele tinha escrito. Ele ia perder muito tempo... Na hora do conto, eu contava a história, narrava as cenas, eles normalmente recontavam a história e escreviam. Na hora das atividades no quadro, eu ditava, ou ia falando para todos, e ele ia copiando na máquina braile ou reglete, que eram os recursos dele.
Eu gostaria de colocar que essa foi uma experiência muito válida, porque eu já alfabetizei outras vezes, mas esse material muito rico, que todas as crianças aproveitaram, foi um estímulo. Eles puderam perceber que podiam aprender e brincar junto com uma criança cega, e ele com os outros, com os mesmos materiais. Agora... quero enfatizar que a gente conseguiu esse resultado, esse alto nível de aprovação que conseguimos pela primeira vez, o sucesso de todos, também pela redução do número de alunos que eu tinha na sala, vinte e cinco alunos, e que ele funcionou também como estímulo para as outras crianças.” (Professora de uma escola pública municipal em Campo Grande, MS, em 1998).

(Vi) vendo a inclusão

Maria da Conceição Dias Magalhães*

“Sou portadora de retinose pigmentar, doença congênita, que em meu caso foi detectada aos seis anos de idade, aproximadamente. Tinha outros irmãos mais velhos que também possuíam a mesma enfermidade e já faziam controle com oftalmologista, sem nenhuma perspectiva de melhora. Por conseguir escrever nas linhas do caderno, fui matriculada em uma escola comum localizada perto de minha casa. Sendo a retinose uma doença de caráter degenerativo, fui gradativamente perdendo a visão e, em conseqüência, vivenciando um processo de buscas, adaptações, frustrações e conquistas. Minha vida estudantil, até a conclusão do curso de pedagogia, ocorrido em agosto de 1999, se deu em três períodos bem distintos, pois sempre que concluía uma etapa as dificuldades enfrentadas me desanimavam. Assim, concluí o primeiro grau em 73 por gostar de estar na escola. Retornei em 88 para o magistério por curiosidade. Tinha na época dois filhos em idade escolar e achava interessante alguns materiais ou livros utilizados por eles. Queria entender melhor o processo ensino e aprendizagem pelo qual meus filhos passavam para também poder orientá-los melhor. O curso de pedagogia foi fruto da necessidade de capacitação para uma vida profissional que começava a acreditar possível, apesar de, à época, a retinose pigmentar já estar em seu estágio final. A crença na possibilidade de uma vida profissional surgiu como fruto de um trabalho desenvolvido em uma pequena escola que montei no fundo de minha casa em 92, junto com duas colegas de magistério que, como eu, se empolgavam com as obras de Emília Ferreiro, Ana Teberoski, Madalena Freire e outros. Em nossos estudos analisávamos o comportamento de nossos alunos e planejávamos nossas intervenções. Encontrávamos pontos em comum entre o que líamos e a nossa prática, mas esbarrávamos em dúvidas por não termos o embasamento teórico necessário. Em 93 a Prefeitura de Belo Horizonte abriu inscrições para um concurso. Incentivada por minhas colegas de trabalho, me inscrevi e obtive aprovação, entrando para a Rede Municipal de Belo Horizonte no ano da implantação da Escola Plural, em 1995. Escolhi a Escola Municipal Antônia Ferreira por sua localização, por conhecer alguns de seus profissionais e por ser conhecida por algumas pessoas da comunidade. Confiava que esses pontos ajudariam minha inclusão. Enquanto aguardei minha convocação procurei estudar o Caderno 1 da Escola Plural e participar de todas as reuniões promovidas pela Prefeitura para explicações junto à comunidade sobre as mudanças da Proposta Plural, que me assustava e me atraía ao mesmo tempo, pois via nela grandes perspectivas de atuação, principalmente pelo trabalho coletivo e flexibilidade na distribuição dos tempos escolares. Pela experiência que trazia, adquirida nos três anos de funcionamento de minha pequena escola, sentia confiança e viabilidade em algumas áreas de atuação, mas me amedrontava imaginar-me em uma sala de aula com um número de alunos quatro ou cinco vezes maior ao que estava acostumada.
Sempre pensei que o aprendizado se dá entre “diferentes” e que o aluno cego ou de visão subnormal necessita de orientação de pessoas que enxergam. Por isso nunca me imaginei lecionando para essas crianças, principalmente por saber que são comuns os vícios posturais e dificuldades espaciais que podem ser evitados com a ajuda de educadores que enxergam e não de educadores que possuem a mesma limitação de seus alunos.
Na escola Antônia Ferreira recebi o mesmo tratamento que as outras oito colegas que
entravam comigo, com exceção da solicitação de uma estagiária que a escola fez logo que soube de minha presença em seu quadro de funcionários. Foi uma época muito complicada, tanto para mim quanto para a escola. Eu, com sonhos, vendo na proposta “Escola Plural” muitos pontos em comum com minha concepção de ensino/ aprendizagem e com a prática que trazia, mas insegura, ansiosa, tentando me preparar para lutar diante de resistências, principalmente em relação a alunos e pais sem terem certeza do que eu poderia oferecer. A escola, por sua vez, embasada em pressupostos maturacionistas e comportamentistas, arraigada à prática seletiva e seriativa e às metodologias muito ligadas ao tecnicismo, via-se “obrigada” pela Rede a repensar sua prática e a mudar sua forma de atuação. Junto a essa “imposição”, recebia também uma profissional que tentava conseguir realizar duas propostas contra as quais a escola apresentava muito resistência: ser possível a escola plural e lecionar não enxergando o que o aluno escreve ou faz.
Entre as novatas, uma tinha os mesmos ideais que eu, e logo no contato inicial demonstrou interesse no desafio que eu apresentava. Juntas estudávamos, refletíamos e
sonhávamos. O trabalho dividido em trios, como foi feito nos primeiros anos, a parceria com Giane, que almejava a mesma linha de trabalho que eu, e a autonomia permitida pela Escola Plural contribuíram para que eu fosse me encontrando como educadora. Nosso objetivo não era trabalhar conteúdos ou transmitir informações. Assim, buscávamos alternativas e interdisciplinaridade.
No primeiro ano, trabalhamos com crianças no final do primeiro ciclo, de idades entre oito e dezesseis anos, remanescentes do ensino seriado. No segundo ano, nossas turmas eram de crianças de nove a onze anos, também no final do primeiro ciclo, que, segundo a escola, apresentavam baixo rendimento e nos anos anteriores haviam passado pelo “período preparatório”, treino da escrita do nome e das vogais. No ano seguinte tivemos a oportunidade de assumir uma turma de alunos novatos, também considerados pela escola crianças imaturas, despreparadas, com comprometimento familiar e poucas perspectivas de sucessos. Em 98, pedimos para continuar o trabalho, ficando com a turma por mais um ano, mas acabei trabalhando sem a companhia de Giane, que se afastou por motivo de licença médica. Em 99, atendendo a meu pedido, a direção me concedeu uma turma de crianças de seis anos. Independentemente da idade das crianças e das disciplinas que assumíamos, tanto eu quanto Giane, com quem desenvolvi parceria, tínhamos sempre o mesmo objetivo: despertar nos alunos o prazer em descobrir e conhecer o mundo que os cerca, entender o significado e a função daqueles “símbolos grafados” contidos nos livros, placas, muros ou todo lugar por onde elas passavam. Queríamos que elas entendessem principalmente qual o papel da escola, que se sentissem participantes e produtivas, que respeitassem a si e aos outros.
Nos anos iniciais, a maior dificuldade foi conciliar o que queríamos e acreditávamos com o que a escola oferecia em relação ao tempo de estudo e planejamento, além de a escola demonstrar, direta ou indiretamente, a incredulidade no desenvolvimento de nosso trabalho. Para mim, principalmente nos primeiros meses letivos, meus horários de projeto sempre foram de suma importância. Neles, até hoje, fico com alunos individualmente ou em pequenos grupos, nos quais nos conhecemos, avaliamos situações e comportamentos, temos conversas de caráter mais pessoal e/ou com material pedagógico, faço intervenções e mediações de acordo com o objetivo a se atingir. Enfim, é um momento onde a afetividade, o conhecimento e as individualidades são trabalhadas e entendidas.
Já em sala, o trabalho é planejado de acordo com esse conhecimento pessoal proveniente de meu contato direto com a turma, com as informações passadas pela estagiária que me acompanha ou pelas outras pessoas que descrevem para mim o que meu aluno coloca no papel. Como vivemos em um mundo extremamente visual, tenho grande necessidade de adaptações de materiais ou de ajuda humana, no caso de leituras e descrições de produções de meus alunos, o que não é simples, e requer tempo. Assim, aos poucos, fui criando alternativas e adquirindo materiais de apoio.
O computador com um programa especial supriu a primeira necessidade: tenho o costume de registrar meus planejamentos, as avaliações que faço dos alunos e de meu trabalho, as atividades que preciso que a estagiária faça ao longo da semana, o que planejei e preciso passar para colegas ou coordenadora, enfim, tudo que será lido por outra pessoa que possui visão e não sabe o braile. As letras móveis, fichas de palavras ou cartazes com braile no verso foi outra adaptação feita para minha maior independência e melhor comunicação junto aos alunos. O gravador e a filmadora foram aos poucos adquirindo funções importantíssimas: tornaram-se materiais atrativos para nossas avaliações e auto-avaliações, pois muitas vezes as leituras eram tomadas pela estagiária e gravadas para que eu pudesse avaliar – não havia criança que não quisesse ler e ouvir (e ver) sua leitura em seguida. Por várias vezes as crianças
tiveram a leitura dirigida ou as atividades lidas por sua professora que, de posse do gravador e do fone de ouvido, ia oralizando o que havia preparado.
Ter enxergado e estudado escrevendo a tinta me permitiu o automatismo do uso do quadro com certas restrições, que aos poucos também foram fazendo parte de nossas adaptações e de busca de novas alternativas. As crianças, por sua vez, também foram criando suas estratégias de comunicação comigo: quando tinham dúvidas sobre alguma letra ou desenho pegavam em minha mão e a traçavam com o dedo ou lápis, outras vezes pediam que eu pegasse em sua mão para que eu percebesse os movimentos que faziam. Com isso, fui também aprendendo com eles novas maneiras de visualizar o que escreviam, e pude orientá-los.
Fui aos poucos percebendo que a falta do olhar “censurador” me obrigava a tornar minhas aulas mais atrativas. A proximidade e os toques físicos, tão comuns entre nós pela necessidade de reconhecimento, contribuíam para avanços, principalmente por serem as crianças muito carentes. Percebi que, ao direcionarem minha escrita no quadro, as crianças também desenvolviam sua lateralidade e ficavam mais atentas ao que eu escrevia, pois ainda hoje tenho dificuldade no traçado de algumas letras. O diálogo aberto e constante com os pais me ajudava a conhecer, planejar e orientar meu trabalho.
Hoje, relembrando minha trajetória profissional, percebo o quanto cresci com minhas dificuldades e minhas buscas. O diálogo com a comunidade escolar ou com colegas que não têm a mesma concepção de escola que eu já é mais viável. Tenho me esforçado para aprender a ouvir o outro e expressar minhas idéias para a escola. Mesmo considerando meu trabalho repleto de falhas, criei coragem para apresentá-lo no Fórum Regional em 1998. No Concurso Lúcia Casassanta, em 1999, recebi o prêmio ao apresentar um registro escrito e em vídeo de minha prática e concepções pedagógicas.
Lembrando a naturalidade que sempre observei em meus alunos, convivendo com uma
professora portadora de uma diferença tão significativa quanto a cegueira, e a carta que recebi de uma ex-aluna, na qual relata que sua atual professora não acredita que ela foi alfabetizada por uma cega, percebo o quanto o nosso relacionamento foi importante Primeiramente pela mensagem contida, e também por ser uma comunicação escrita, com uma seqüência lógica, coerência e conteúdo bem significativos para uma criança, filha de pais analfabetos, fato normalmente considerado um entrave para que as crianças aprendam e usem nossa escrita para se comunicar. Percebo, na fala da professora, que os adultos criados longe do convívio com essas diferenças têm dificuldade de imaginar uma maneira diferente de se viver e aprender.”

* Professora da Escola Municipal Antônia Ferreira, Belo Horizonte, MG.

MEC Saberes e Práticas da Inclusão

Infância na Creche. Um Olhar Inclusivo


Para Cláudia Regina Pinto Michelli e Julianne Fischer a inclusão é um trabalho efetivo e em grupo, devendo haver um envolvimento entre educadores, coordenador, pais e crianças. Não há como agir com a criança mesmo pequena suas necessidades. Daí a importância de um trabalho consciente e responsável pela infância nestas instituições. . A inclusão "passa por uma mudança no modo de vermos o outro, de agirmos para que todos tenham seus direitos respeitados." (Mantoan, 2001, p. 107). Seguindo este viés, compreende-se que quando falamos sobre educação inclusiva não especificamos a quem, mas, apregoamos uma educação de qualidade, comprometida com cada sujeito, de modo que não o segregue sob nenhum pretexto ou razão.
 Toda ação precisa ser refletida, discutida antes de ser praticada. Neste sentido, é a criança antes de qualquer pessoa, precisa ser questionada e ouvida por alguém no qual ela confie, pois é ela que vai se desligar de um grupo no qual interagia tentar criar um novo vínculo com outras crianças. 
A inclusão vai ocorrer em um grupo, desde que haja compreensão por parte de quem conduz, isto significa mudar a maneira de ver e de agir não somente com um membro do grupo mas com todos. Segundo Forest & Pearpoint (1997), "incluir significa convidar aqueles que (de alguma forma) tem esperado para entrar e pedir-lhes para ajudar a desenhar o nosso sistema e que encorajem todas as pessoas a participarem da completude de suas capacidades - como companheiros e como membros." (p.137)
 Vemos este momento como uma das primeiras vivências de inclusão ou exclusão da criança. Este momento precisa ser encorajado, envolvendo receptividade de todos. Não falamos de um excesso de atenção onde tudo deva girar em torno do sujeito a ser incluso, oferecer guloseimas ou conquistá-lo com objetos materiais. Falamos daquilo que se entende por empatia, ou seja, aceitar o outro como é, colocando-se junto dele frente a essa situação. Tentar ver-se no lugar do outro remete a capacidade de chegar próximo aos seus sentimentos para um enfrentamento não somente desse novo caminho, mas da história a ser construída neste processo. 
Os profissionais de creche precisam ter em mente que neste local sempre estarão lidando com questões que envolvem separação, conquistas e progressiva autonomia das crianças. Estas questões giram em torno da inclusão e consequentemente da exclusão. Respostas ou receitas para um trabalho inclusivo na creche não existem, não é somente uma graduação em pedagogia que trará subsídio para tal investida. O que precisa ocorrer é um trabalho efetivamente em grupo com cada membro responsável em fazer a sua parte. Esse trabalho em grupo não envolve somente educadores, mas, toda a instituição e principalmente as famílias. 


Responsabilidade coletiva


Para a  professora Francisca Roseneide Furtado do Monte, consultora da Seesp/MEC para a publicação Saberes e práticas da inclusão, distribuída para todas as escolas do país, também entende que “a inclusão tem força legal e política para quebrar barreiras sólidas em torno das minorias excluídas da sociedade”. Trata-se de uma experiência que pode gerar conflitos e contradições, segundo Marilda Bruno, da Universidade Federal da Grande Dourados (MS), outra consultora para a publicação do MEC. “A inclusão mobiliza a família, os professores, a escola e os profissionais de apoio especializado. Nos primeiros meses, pode gerar medo, angústia, tensão, dúvidas, tanto para a família como para escola”.
Para ela, a escola ou a instituição de educação infantil torna-se inclusiva quando há um projeto pedagógico elaborado coletivamente, entre as instituições educativas, a família e os profissionais especializados.  “A maior demanda encontra-se na esfera das atitudes, posturas, formas de lidar com a diversidade e a diferença significativa de cada aluno. Essa não deve ser responsabilidade só do professor, mas do coletivo escolar”, avalia.

Marilda é mãe de André Gustavo, 32 anos de idade, mestre em educação especial pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul e funcionário público concursado. Ele teve paralisia cerebral, deficiência visual severa e quadro neurológico de hipotonia e convulsões frequentes por sequela de infecção hospitalar, ao nascer. Ingressou na educação infantil com 1 ano e oito meses, não andava, nem falava. Mas gostava muito de ir à creche e participar de todas as atividades, do seu jeito. “Para André foi muito importante frequentar uma instituição educativa cedo: aprendeu a falar, a conviver, a viver frustrações, a conhecer suas possibilidades e a lidar com suas limitações desde pequeno”.

Vivências de professores retiradas do artigo A Vivência de Professores sobre o Processo de Inclusão: Um Estudo da Perspectiva da Psicologia Histórico-Cultural escrito por Eveline Tonelotto Barbosa e Vera Lucia Trevisan de Souza. 2010.


É interessante essa posição do professor de chegar e ter um aluno com necessidade especial. Ele olha para o aluno e pensa: o que vou fazer? Porque nós não temos nenhuma formação, nem nós que somos mais antigas, nem os novos. Então não sabemos como essa inclusão vai acontecer. Entregam para você o diário de classe e você vai para a classe e se vira (Maria). Eu me sinto assim, meio que sem condições, não tenho preparação para trabalhar com a inclusão (Ilana).
Conforme se pode observar, as duas professoras entrevistadas, que atuam em classes regulares em que se encontram alunos com necessidades especiais, expressam a percepção de que para trabalhar com a inclusão é necessária uma formação específica e que, sem a qual, o professor passa a ser uma vítima no processo, tão excluído quanto o aluno, visto não acreditar que tenha condições de levar adiante sua tarefa. Contudo, as professoras de Educação Especial, cujas funções são atender esses alunos ditos incluídos em alguns horários ao longo da rotina escolar, Professores e a inclusão individualmente e pontualmente, se contrapõem à posição de vítima das professoras Maria e Ilana, por entenderem que elas não se interessam ou não se comprometem com o processo de inclusão, deixando essa tarefa para os especialistas:
Então eu acho que o professor tem que estudar mais, é uma classe que, além de desunida, não vai estudar, só vai quando vai perder alguma coisa. Além de que, eu não acredito nesse governo paternalista que dá tudo para o professor, que é obrigado a te dar um curso de formação para o trabalho e em horário de trabalho, porque se você oferecer fora do horário de trabalho, a pessoa não vai! (Luciana).
Colocam outro profissional especializado para tentar suprir essa defasagem do professor, porque se todos professores recebessem capacitação em Educação Especial não precisaria da gente aqui (das professoras da Educação Especial). Então eles não te dão o curso, mas colocam profissionais na escola. Eu não aceito essa fala do professor, de que não é capacitado para atender o aluno, não aceito. E ainda quando a gente quer dar uma ajuda, eles não aceitam (Luciana).
Letícia, a outra professora de classe especial, relatou em vários encontros que tem muita dificuldade em propor alguma atividade para as professoras que têm alunos de inclusão, pois muitas vezes elas não aceitam. Relatou, também, que muitos dos professores preferem que ela tire o aluno da sala, do que trabalhar eles próprios com o aluno, a partir das orientações que Letícia pode oferecer (observações registradas em Diário de Campo).


Educação inclusiva desde a creche

Para Neuracy Viana de Palmas/TO A cada passo, a cada palavra balbuciada, o pequeno Érick Cordeiro da Silva, 2 anos, foi ganhando confiança, adquirindo auto-estima e se relacionando melhor com os coleguinhas de sala na Creche Municipal Sonho Encantado, em Palmas (TO), que frequenta há cerca de um ano.
Érick é um dos 288 alunos de instituições de ensino acompanhados pelo
Projeto Educação precoce começa na creche, desenvolvido pela secretaria municipal de educação, em parceria com universidades locais, desde agosto de 2006. Ele é um exemplo de que é possível trabalhar a educação inclusiva, desde a educação infantil.
O pequeno Érick começou a frequentar a creche quando tinha 1 ano e meio. Na época, a orientadora educacional da instituição, Jucilene Demétrio de Moraes, percebeu um retardo nas funções motoras e de linguagem do menino, uma vez que ainda não andava, não tinha firmeza no corpo e não conseguia balbuciar qualquer palavra. Foi aí que entraram em ação os grupos de trabalho do projeto.
Inicialmente, foi feita uma avaliação do grau de dificuldade da criança e, a partir de então, intervenções dentro da creche, abrangendo as áreas de educação física, de pedagogia, de psicologia e de enfermagem. O trabalho é realizado por grupos de estudantes universitários,supervisionados por seus professores.
Cada acadêmico acompanha 12 crianças de 0 a 3 anos. Atualmente, as ações atendem a quatro instituições. O grupo reúne-se três dias na semana para estudo das dificuldades das crianças acompanhadase dois para fazer as intervenções na escola.

A coordenadora do projeto, Leny Carrasco, psicóloga, explica as intervenções: “a partir do estudo, nós construímos as atividades pedagógicas específicas para cada criança que faz parte do projeto”. Segundo ela, as crianças são indicadas pela própria creche e o projeto atua na área cognitiva, de linguagem, motora e social. Com esse trabalho, centenas de crianças como Érick têm tido a chance de desenvolver suas capacidades com acolhimento e respeito.

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